Inclusão
Lei exige acessibilidade em praças e parques
Pelotas ainda não possui locais de lazer adequados para crianças com deficiência e terá até agosto para se adaptar às exigências da lei federal sancionada dia 12 de maio pela Presidência da República
Carlos Queiroz -
É um número bem alto, mas que aparentemente não recebe a atenção que deveria.
Em Pelotas, mais de 120 mil pessoas possuem algum tipo de deficiência, em menor ou maior grau. E para a maioria delas acessibilidade é ideal difícil de ser conquistado no dia a dia. Mesmo com o direito assegurado por normas específicas como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, tarefas comuns ainda são um desafio. E se, por iniciativa própria, o município não investe tanto quanto deveria em acesso universal a áreas públicas, uma nova mudança na legislação nacional deve instigar a cidade a facilitar a vida de quem utiliza - ou pretende utilizar - praças e parques públicos. Especialmente crianças.
Sancionada na última sexta-feira por Michel Temer (PMDB), a lei 13.443/2017 não é extensa.
Tem apenas um artigo que mexe na redação da Lei da Acessibilidade (10.098/2000). Porém, se o texto é pequeno, o impacto pode ser bem maior para a inserção das crianças com deficiência na sociedade. A norma estabelece que pelo menos 5% de cada brinquedo e equipamento de lazer nas praças e parques públicos deverão ser adaptados para pessoas com limitações físicas ou visuais. E isso precisa ocorrer até agosto, quando termina o prazo de 90 dias estipulado pelo governo federal para que a exigência entre em vigor.
Vice-presidente do Conselho das Pessoas com Deficiência e Altas Habilidades de Pelotas, Sidnei Fagundes considera a determinação federal importante como forma de melhorar a inclusão nos espaços públicos. No entanto, reclama que o cumprimento e a fiscalização das leis já existentes são brandos. “É preciso também que a prefeitura assuma esse compromisso, já que há uma série de outras dificuldades de acessibilidade na cidade. As calçadas sem rampas e piso tátil são um exemplo.”
Os dados sobre o número de praças que deveriam passar por algum tipo de intervenção para se adaptar à nova lei são inconsistentes. Na verdade, sequer a administração tem um número definitivo de quantos destes locais Pelotas possui. Dados divulgados no final de 2015, quando anunciou um plano de recuperação de 40 locais de lazer, indicavam que o município possuía 192 praças. Contudo, na página oficial do município na internet consta um registro com 77 pontos. Já a Secretaria de Serviços Urbanos e Infraestrutura (Ssui) estima que cem áreas públicas possuem algum tipo de equipamento de lazer e podem ser chamadas de praças, mas promete concluir um levantamento sobre o tema até o final da semana.
Conforme o secretário Jeferson Dutra, a cidade atualmente não tem espaços com equipamentos adaptados.
Por conta disso, vislumbra dificuldades em cumprir o prazo legal de 90 dias, já que antes de iniciar a instalação dos novos brinquedos será preciso estudar projetos que atendam as normas. “Isso leva um tempo. Além disso, se cada praça precisa ter pelo menos 5% dos equipamentos com acessibilidade, como farei em locais pequenos onde tenho um ou dois balanços e um escorregador, por exemplo?”
Crítico das condições das áreas públicas de lazer, o professor de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e mestre em Planejamento Urbano e Regional, Maurício Polidori, aponta a exigência de mais acessibilidade por conta de lei nacional como uma nova oportunidade de o Poder Público municipal abrir os olhos para a importância das áreas de lazer. “As praças de Pelotas não são despreparadas apenas para pessoas com deficiência, mas sim para toda a população. É fundamental adaptá-las, como também é essencial que tenham boa localização, transporte de qualidade e vias qualificadas no entorno para que todos possam chegar sem dificuldades”, comenta.
Demanda por acessibilidade é grande
Se não existem praças com equipamentos acessíveis em Pelotas, como confirma a Ssui, certamente não é por falta de demanda. Afinal, conforme citado no começo da matéria e de acordo com dados do último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a cidade tem pouco mais de um terço da sua população com algum grau de deficiência (física, visual ou mental). Destes, 33,5 mil possuem limitações graves ou significativas, o que significa 10,1% dos pelotenses.
Embora não seja a partir de iniciativa da prefeitura, existe em andamento um projeto para instalação na cidade de uma praça de acesso universal. Conduzido pelo Núcleo de Apoio a Pessoas com Necessidades Específicas (Napne) do Instituto Federal Sul-rio-grandense, Campus Visconde da Graça (IFSul-CAVG), o projeto pretende instalar em uma área verde brinquedos e mobiliário que estimulem crianças e adultos a interagir com os objetos.
“Este será um espaço aberto a toda a comunidade pelotense. Infelizmente não costumamos ver os deficientes tendo acesso a serviços básicos e cidadania plena. Com essa praça queremos que ali as pessoas encontrem diversão e também terapia que auxilie no seu desenvolvimento”, explica o coordenador do Napne, Raymundo Ferreira Filho. O projeto está sendo finalizado com o apoio de escolas especiais e da Secretaria Municipal de Educação e Desporto (Smed) e será apresentado à ONG Anna Laura Parques Para Todos. Com sede em São Paulo, a organização seleciona propostas e financia a construção das praças totalmente adaptadas.
A ideia da praça sensorial e a nova legislação voltada aos locais públicos dão um pouco de esperança a Cléia Borges. Aos 52 anos ela dedica sua rotina a acompanhar o filho Renato, 17, em atividades diárias na Apae e na Escola Alfredo Dub. Surdo e usuário de cadeira de rodas, o adolescente depende das estruturas das duas instituições para poder praticar atividades de lazer. Coisas que, segundo ela, são impossíveis nas áreas públicas de Pelotas. “Ele ainda gosta de brincar, andar de balanço. Mas como já é grande, não tenho mais forças para ficar carregando e colocando nos brinquedos das pracinhas. Se já é difícil simplesmente circular nesses lugares com cadeira de rodas, imagina encontrar equipamentos acessíveis”, reclama.
O que mudou na lei?
A regra recém-sancionada altera o parágrafo único do artigo 4º da Lei da Acessibilidade (10.098/2000). Até então, a norma previa que apenas parques de diversões públicos e privados deveriam adaptar, no mínimo, 5% de cada brinquedo e equipamento para pessoas com deficiência ou com mobilidade reduzida.
Agora, o texto estabelece o seguinte: “No mínimo 5% de cada brinquedo e equipamento de lazer existentes nos locais [praças e parques] devem ser adaptados, tanto quanto tecnicamente possível, para pessoas com deficiência, inclusive visual, ou com mobilidade reduzida”.
Saiba mais
No Brasil existem 45 milhões de pessoas com deficiência.
120,8 mil pelotenses declararam no último Censo possuir algum grau de deficiência auditiva, visual, mental ou motora.
Destes,33,5 mil (10,1% da população) têm limitações graves
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